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Introdução

Definição

Vulvovaginite é definida como uma inflamação que ocorre a nível da mucosa vulvar e vaginal. A vaginite caracteriza-se pelo eritema que geralmente se associa à presença de corrimento vaginal e a vulvite diz respeito a uma irritação local motivada por medidas de higiene precárias, por agentes químicos, mecânicos ou por trauma (1).

Epidemiologia

As vulvovaginites são o principal motivo que levam crianças e adolescentes a recorrer aos serviços de ginecologia, não havendo no entanto, números concretos acerca da sua incidência. A maior suscetibilidade para o seu desenvolvimento deve-se a causas anatómicas, fisiológicas e comportamentais, próprias desta faixa etária. As vulvovaginites são etiologicamente divididas em específicas, aquando da identificação de uma causa subjacente ou não específicas. Nesta população 70 a 75% são de causa não específica (1).

História Clínica

Anamnese

A anamnese deve ser obtida dos pais ou representante legal e, se possível, da criança (2). No caso de adolescentes com idade superior ou igual a 16 anos e com discernimento, a entrevista pode ser individual. (Quadro 1)

Quadro 1:. ANAMNESE
História da doença atual (ordem cronológica da clínica e contextualização)
Semiologia
  • Corrimento Vaginal (cor, quantidade, consistência e odor)
  • Prurido Vulvar
  • Disúria
  • Hemorragia Vaginal
  • Dor perineal ou abdominal
  • Enurese
  • Encoprese
  • Prurido anal
Antecedentes Pessoais Não Patológicos:
  • Medidas de higiene do períneo e mãos
  • Exposição a irritantes (sabonetes, toalhitas perfumadas)
  • Uso de roupa apertada (uso de fraldas e roupa interior de nylon )
  • Uso de roupa húmida
  • Corpo estranho intravaginal
  • História de traumatismo
  • Abuso sexual ou início da vida sexual
  • Antibioterapia ou outra medicação
Patológicos
  • Obesidade
  • Focos infeciosos recentes ( Infeção respiratória, diarreia, oxiuríase..)
  • Diabetes mellitus
  • Exantemas
  • Dermatoses Vulvares
Antecedentes Familiares
  • Infeções ginecológicas maternas recentes

Exame objectivo

O exame ginecológico na criança deve ser obtido com o intuito de não induzir trauma, sendo importante explicar o objetivo do mesmo. Por forma a transmitir segurança à criança, quando possível pode ser obtido ao colo dos pais ou do representante legal. A vulva e o períneo devem ser inspecionados com a criança em posição “frog-leg” ou “butterfly” (posição supina com plantas dos pés unidas) (2). Para melhor visualizar a vagina a criança deve colocar os joelhos sobre o tórax e os lábios devem ser delicadamente retraídos (para fora e para trás). Quando não é possível uma correta visualização da vagina e o quadro clinico o justifica, o exame objetivo deverá ser realizado sob anestesia, utilizando um especulo nasal de Killian, um histeroscópio flexível ou mesmo completar o estudo com vaginoscopia (3). Na adolescente em fase pós coitarca o exame ginecológico deverá ser completo. O médico deverá ter capacidade de diferenciar hímen normal e variantes do normal de hímen anormal, sendo que, ausência de alterações a este nível não excluem a possibilidade de abuso sexual. Devem ser descritas alterações anatómicas, presença de dermatoses, anomalias congénitas, sinais inflamatórios, fissuras, escoriações, presença de fezes, leucorreia ou outras.

As vulvovaginites não específicas semiologicamente são caracterizadas por leucorreia escassa, não purulenta, mucoide e inodora. São vários os fatores de risco identificados como facilitadores deste quadro. Na menina pré-púbere o epitélio vulvar é fino e sensível, os pelos púbicos estão ausentes, a distância entre o introito vaginal e o ânus é curta, o ph vaginal é alcalino (ph:6,5-7,5), as medidas de higiene podem ser precárias e a exploração e curiosidade pelo corpo é frequente. Em fase púbere, a componente hormonal estrogénica promove a telarca e a rápida multiplicação de lactobacillus vaginais, o ph vaginal acidifica e a produção de muco é maior, o que confere maior proteção. (1)

Clinicamente, perante uma menina com leucorreia fétida, purulenta e por vezes com sangue é importante pensar na presença de corpos estranhos, sendo frequente encontrar papel higiénico e brinquedos. O toque retal pode facilitar a sua identificação.

Na adolescência, as alterações da flora vaginal, o contacto sexual, o hábito tabágico e o uso de contracetivos hormonais podem contribuir para o aparecimento de leucorreia infeciosa.  (4)

As vulvovaginites especificas podem ser causadas por bactérias, fungos, vírus ou por patologias subjacentes.

A hemorragia vaginal em meninas pré-menarca deve-se principalmente às vulvovaginites com diagnóstico diferencial com líquen escleroso, pubarca precoce e trauma, podendo ser igualmente identificada na presença de corpo estranho ou de microorganismos como estreptococos do grupo A e Shigella.

Diagnóstico Diferencial

1. Leucorreia fisiológica: Por efeito estrogénico: em recém-nascidas (estrogénios maternos adquiridos por via transplacentar) ou 6 a 12 meses prévios à menarca.

2. Vulvovaginites Não específicas

3. Vulvovaginites Especificas

  • Agentes Não Sexualmente Transmissíveis
    • Candida spp.(Colonização em 3 a 4 % das meninas pré-púberes. Frequente em criança sob antibioterapia,imunocomprometida ou com fralda)
    • Flora Respiratória (Streptococcus pyogenes (streptococcus grupo A), S. aureus, Haemophilus influenzae, S. pneumonia- Pode ocorrer contaminação a partir de secreções nasais ou orofaringeas para a vulva. São os agentes patogénicos que mais se identificam nesta população.)
    • Enteroparasitoses (Enterobius vermicularis – oxíuros: importante questionar acerca de prurido anal e agravamento clinico noturno) e Enterobactérias (Shigella, Giardia, Escherichia coli)
    • Gardenerella vaginalis (Geralmente não associada a corrimento vaginal em meninas pré-puberes. Não é sinónimo de abuso sexual.)
  • Agentes Sexualmente Transmissíveis (Abuso Sexual / Inicio da atividade sexual)
    • Neisseria gonorrhoeae
    • Chlamydia trachomatis
    • Trichomonas vaginalis
    • Condylomata acuminata (HPV- Human papillomavirus- Previamente aos 3 anos de idade podem resultar de transmissão materna pelo canal de parto. Podem surgir por via sexual ou não sexual.)
    • Herpes simplex (Pode ocorrer por transmissão materno-fetal ou perinatal ou por contacto sexual.)
  • Corpos Estranhos: (Podem resultar em vulvovaginites agudas ou crónicas)
  • Pólipo ou Tumor Vaginal: (Podem originar corrimento crónico com sangue. O Rabdomiossarcoma embrionário da vagina, representa 3 a 4 % de todas as neoplasias pediátricas e pode envolver o hímen, a uretra e a parede vaginal anterior)
  • Doenças sistémicas: (Doença de Stevens-Johnson, Mononucleose infeciosa, doença de Crohn e Doença de Kawasaki)
  • Úlceras Vulvares: (Úlceras lipschutz ou aftosas – úlceras não sexualmente transmissíveis de causa idiopática ou viral como EBV, H. Influenza A e CMV)
  • Patologia do Trato urinário: (Prolapso uretral ou ureter ectópico)
  • Dermatoses Vulvares: (Psoríase, dermatite atópica e líquen escleroso)
  • Sinéquias Vulvares:(Pico de incidência no segundo ano de vida. Pode resultar da conjugação de inflamação dos pequenos lábios com o hipoestrogenismo próprio, sendo mais frequente quando estão subjacentes uma higiene perineal precária, traumatismo ou infeção.)
  • Traumatismo: (Pode resultar em hemorragia pela elevada vascularização da vulva. A história clinica deve ser concordante com os achados ao exame físico, por forma a confirmar a etiologia do traumatismo- sexual ou não sexual.)

Exames Complementares

Patologia Clínica

Em meninas e adolescentes virgens a colheita da leucorreia vaginal, para exame citológico ou cultura deve ser efetuada tendo o cuidado de não lesar o hímen. Deste modo, a colheita poder ser executada com recurso a uma zaragatoa embebida em soro fisiológico, por aspiração através de um cateter uretral acoplado a uma seringa ou pela introdução de pequena quantidade de soro fisiológico e colheita posterior. (2-4)

Exames complementares disponíveis:

  1. Teste pH vaginal: Não se adapta à população prépubere, pelo pH vaginal alcalino, sendo no entanto útil em meninas púberes. Deve ser testado usando papel de nitrazina. pH > 4,5 sugere infeções como vaginose bacteriana ou tricomoníase (pH5-6) e ph 4-4,5 sugere candidíase vulvovaginal.
  2. Exame microscópico com Solução salina a 0.9%: Requer a disponibilidade de microscópio ótico, usando ampliação de 400 x. Útil na identificação de clue cells (95% das vaginoses bacterianas), pseudohifas (40-60% das candidíases) e protozoário flagelado (40 a 80 % das tricomoníases). Pouco útil em contexto prépubere.
  3. Coloração Gram: Determina a concentração relativa de bactérias.
  4. Teste de aminas ou de Wiff: Liberta um odor a peixe podre, adicionando uma solução alcalina (KOH a 10%) devido à produção de aminas pelas bactérias. Positivo na vaginose bacteriana e usualmente na tricomoníase.
  5. Cultura: Pode ser executada quando se suspeita de uma infeção não identificada de outra forma. Útil em contexto de contacto sexual, nomeadamente para cultura de Neisseria gonorrhoeae ou Chlamydia trachomatis, sendo este o único teste que pós-tratamento pode documentar a cura.
  6. Testes de amplificação de ácidos nucleicos: Podem ser executados em exsudato vaginal ou na urina. São maioritariamente realizados em contexto de suspeita de abuso sexual, sendo os mais sensíveis na identificação de Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis.
  7. Teste da fita adesiva (“sellotape test”): Perante suspeita de Enterobius vermicularis.

Imagiologia

A observação da vulva pode ser efetuada com colposcópio, permitindo uma melhor visualização e registo de imagem. A vagina pode ser avaliada por vaginoscopia (ex:.com histeroscópio de 4 mm). (2, 3)

Tratamento

1. Vulvovaginites Não específicas

As vulvovaginites não específicas são consideradas como diagnóstico de exclusão, sendo possível obter uma boa resposta com medidas conservadoras (1). É recomendado que a criança durma com camisas de dormir por forma a facilitar a circulação do ar, que use roupa interior de algodão e que evite o uso de roupa apertada. São aconselhados banhos diários apenas com água limpa, devendo ser evitado o uso de sabonetes perfumados na área genital. Devem ser revistas medidas de higiene com a criança, reforçando a necessidade da limpeza genital ocorrer no sentido vulva-ânus. Caso a vulva apresente sinais inflamatórios é aconselhado o uso de compressas frias e após devidamente enxaguada a aplicação de emolientes.

Clinicamente é esperada melhoria dentro de 2 a 3 semanas, sendo que perante ausência ou recidiva devem ser excluídas causas específicas (corpos estranhos ou infeção). Excecionalmente, em casos de culturas negativas e leucorreia purulenta persistente é aceite a antibioterapia durante 10 dias, com amoxicilina (20 a 40 mg/kg/dia) ou tratamentos tópicos com metronidazol ou clindamicina. Ocasionalmente, pode ainda ser prescrito tratamento de curta duração com estrogénios locais, tendo o objetivo de promover o espessamento da mucosa vaginal em meninas pré-púberes (1).
 
2. Vulvovaginites Específicas (de acordo com a causa subjacente) (1, 4)

O tratamento de vulvovaginites especificas deve incluir a implementação de medidas conservadoras e de tratamento dirigido. Serão descritos alguns dos exemplos mais frequentes.

  • Streptococcus grupo A
    • Penicilina G:

≥ 27 Kg – 1.2 milhões de unidades Intra-muscular, dose única

  • Oxiuríase
    • Mebendazol 100 mg, via oral, dose única (Ausência de cura ao fim de 3 semanas implica repetição do tratamento. Tratar contactos.)
  • Candidíase
    • Clotrimazol tópico (aplicar localmente e na área adjacente 12/12h. Rever o diagnóstico perante ausência de melhoria clinica ao fim de 4 semanas)
    • Miconazol tópico (Aplicação sobreponível. Eficácia e segurança não estabelecida em crianças com menos de 2 anos.)
  • Vaginose bacteriana
    • Metronidazol 30 mg/Kg/dia, via oral, 10 dias
    • Ampicilina 50 mg/kg/dia, via oral, 10 dias
  • Corpos estranhos
    • Aplicação de anestesia local a nível do introito (xilocaína ou lidocaína creme). Remover pequenos objetos com um cotonete (restos de papel) ou através de irrigação vaginal com soro quente. A extração de objetos maiores pode ser realizada sob sedação e/ou anestesia geral. 
  • Agente sexualmente transmissíveis (ver “Abuso sexual”)
  • Sinéquias Vulvares – Crianças assintomáticas não devem ser tratadas. A resolução na puberdade é possível, devido aos níveis elevados de estrogénios em circulação.
    • Estrogenios tópicos- aplicação tópica a nível da sinéquia, duas vezes ao dia até 4 meses. Efeitos secundários frequentes: hemorragia vaginal e botão mamário.
    • Betametasona 0.05%, tópica- isolada ou em associação com estrogénios duas vezes ao dia durante 4 a 6 semanas. Efeitos secundários: atrofia cutânea e absorção sistémica de corticoides.
    • Remoção de sinéquias (via Manual ou cirúrgica) – raramente indicado, apenas em casos de obstrução ao jato urinário com quadro de retenção urinária e infeções de repetição. O tratamento médico demonstra-se não eficaz perante sinéquias com 3 a 4 mm de espessura e sem rafe fina e translucente na união. A separação manual deve ser executada por profissional experiente sob anestesia local, sedação ligeira ou anestesia geral. O procedimento consiste na colocação de um cotonete lubrificado atrás dos pequenos lábios, tracionando posteriormente em sentido ascendente ao longo da rafe mediana, formada pela fusão dos mesmos. A cirurgia é extremamente rara, reservada para casos de obstrução completa do jato urinário.

Algoritmo clínico/ terapêutico

Vaginites Não especificas

Diagnóstico de exclusão.

Medidas de higiene.

Ausência de melhoria ou Recidiva:

  • Pesquisa de corpos estranhos ou infeção
  • Sem causa: antibioterapia 10 dias
Vaginites Específicas Tratar de acordo com a causa.

 

Evolução

As vulvovaginites não especificas estão associadas a um bom prognóstico, resolvendo na maioria em 2 a 3 semanas pós implementação de medidas de higiene adequadas. Frequentemente podem ser antecedidas de uma infeção respiratória ou intestinal.

As vulvovaginites especificas, uma vez identificado o agente subjacente têm no geral boa resposta ao tratamento. Perante um quadro de difícil tratamento ou recorrente é importante pesquisar causas menos frequentes como tumores e doenças sistémicas e avaliar o contexto da criança. As recorrências são mais frequentes em imunodeprimidas ou sob antibioterapia frequente, no entanto, de acordo com o patogeno e história fornecida, não deve ser excluída a hipótese de abuso sexual.

Bibliografia

  1. Laufer M, Emans S.; Vulvovaginal complaints in the prepubertal child; UpToDate [Internet]; [revisão Março 2016], disponível em: www.uptodate.com;
  2. Laufer M, Emans S.; Gynecologic examination of the newborn and child; UpToDate [Internet]; [revisão Março 2016], disponível em: www.uptodate.com;
  3. Johary J. et al.; Use of Hysteroscope for Vaginoscopy or Hysteroscopy in Adolescents for the Diagnosis and Therapeutic Management of Gynecologic Disorders: A Systematic Review; J Pediatr Adolesc Gynecol 28 (2015) 29-37;
  4. Krapf J. et al.; Vulvovaginitis; Medscape [Internet]; [revisão 30 Março 2015], disponível em: http://emedicine.medscape.com;
  5. Tartaglia E. et al.; Vulvo-vaginitis in Prepubertal Girls: New Ways of Administering Old Drugs; J Pediatr Adolesc Gynecol 26 (2013) 277-280.

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