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Introdução

Definição

A sífilis é uma infeção sistémica causada pela bactéria Treponema pallidum. Consoante a via de transmissão, pode ser classificada em congénita (vertical) ou adquirida (sexual ou sanguínea).

Pode ser dividida em sífilis precoce que engloba a primária, secundária e latente precoce, e sífilis tardia que reúne a sífilis terciária e latente tardia. A neurossífilis pode ocorrer em qualquer fase da doença.

Epidemiologia

A organização mundial de saúde estima uma incidência mundial anual de 3 casos por 1000 indivíduos. Em Portugal foram notificados 367 casos de sífilis no ano de 2014 (Instituto Nacional de Estatística).

História Clínica

Após um período de incubação médio de 21 dias (3 a 90), a sífilis primária manifesta-se pelo aparecimento de uma mácula no local do contacto que rapidamente evolui para uma úlcera única, indolor, dura e com bordos elevados, não purulenta, geralmente localizada nos genitais, podendo no entanto, desenvolver-se em qualquer local de inoculação (faringe, ânus, vagina), associando-se frequentemente a adenopatias inguinais bilaterais. Mesmo na ausência de tratamento, a úlcera regride espontaneamente dentro de 3 a 6 semanas, mas a doença torna-se sistémica pela rápida disseminação das espiroquetas. Pode facilmente passar despercebida e, na ausência de outros sintomas, o diagnóstico é muitas vezes difícil.

A sífilis secundária desenvolve-se 1 a 6 meses após a lesão primária em cerca de 25% dos indivíduos não tratados e pode manifestar-se de forma muito variada desde sintomas constitucionais (febre, cefaleias, anorexia, mialgias, perda ponderal e mal estar geral), adenopatias generalizadas (cervicais, axilares, inguinais, femorais), sendo possível o envolvimento de qualquer órgão ou sistema. A sua forma de apresentação mais típica é sob a forma de exantema cutâneo difuso, simétrico, macular ou papular, com acometimento das palmas das mãos e das plantas dos pés.

A sífilis terciária caracteriza-se pelo envolvimento sintomático do sistema cardiovascular ou pela presença de doença granulomatosa (gomas sifílicas), e ocorre entre 10 a 30 anos de doença não tratada.   

O envolvimento do sistema nervoso central ou neurossífilis pode ocorrer em qualquer estadio da doença. As manifestações mais precoces (ex. meningite, anomalias auditivas e oftalmológicas, acidente vascular cerebral) podem ocorrer nos primeiros meses ou anos da infeção, enquanto as mais tardias (tabes dorsalis e parésia generalizada) podem apenas verificar-se ao fim de 25 anos de evolução da doença.

A sífilis latente, precoce (1 ano ou de tempo indeterminado), caracteriza-se pela ausência de sintomas, sendo o diagnóstico feito com base nos testes imunológicos.

A sífilis congénita pode resultar em morte fetal in útero, prematuridade e um largo espectro de manifestações clínicas, destacando-se: baixo peso ao nascimento, hepato/esplenomegália, lesões cutâneas (pênfigo palmo-plantar, condiloma plano, petéquias, púrpura), icterícia, anemia, linfadenopatia generalizada, alterações osteoarticulares e neurológicas. Até 50% dos recém-nascidos são assintomáticos, com aparecimento dos primeiros sintomas durante os primeiros 3 meses de vida.

Diagnóstico Diferencial

A sífilis é uma doença sistémica com múltiplas formas de apresentação possíveis, pelo que a lista de patologias com as quais faz diagnóstico diferencial é extensa. Qualquer patologia que se manifeste sob a forma de úlceras genitais e/ou exantema deve ser equacionada. Enumeramos, de seguida, as principais:

  • Herpes genital – causado pelo vírus herpes 2 ou 1 (menos frequente); apresenta-se mais frequentemente sob a forma de múltiplas vesículas dolorosas e o doente pode referir episódios prévios
  • Cancróide – causado pelo Haemophilus ducreyi; apresenta-se mais frequentemente sob a forma de úlceras genitais dolorosas e purulentas e adenopatias inguinais igualmente dolorosas e supurativas unilaterais
  • Exantemas virais agudos – não são habitualmente precedidos por úlceras genitais
  • Escabiose – as lesões cutâneas são pruriginosas e apresentam uma distribuição típica (ex. interdigital)
  • Eczema – poupa frequentemente as palmas das mãos e as plantas dos pés, não é precedido de úlceras genitais e não se associa a sintomas sistémicos

Faz ainda diagnóstico diferencial com patologias cardiovasculares, neurodegenerativas e granulomatosas.

A sífilis congénita faz diagnóstico com diversas entidades infecciosas como: toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e vírus herpes simplex.

Exames Complementares

Os mais utilizados são os testes imunológicos: não treponémicos e treponémicos. O diagnóstico definitivo requer dois resultados positivos em ambos. Na sífilis congénita o diagnóstico definitivo requer um teste não treponémico 4 vezes superior ao título materno.

Os principais testes não treponémicos são o VDRL e o RPR. São pouco específicos uma vez que detetam anticorpos anti-lípidos, também presentes em doenças auto-imunes e infeções virais. Os testes treponémicos incluem o TPHA e o FTA-ABS. Ao contrário dos anteriores, são muito específicos detetando anticorpos contra antigénios específicos, devendo um deles ser utilizado como teste confirmatório de um teste não treponémico.   

Os testes diretos, microscopia em campo escuro, imunoflorescência e testes de amplificação de ácidos nucleicos, fornecem um diagnóstico definitivo.

Na sífilis terciária ou na presença de sinais/sintomas neuro-oftalmológicos em qualquer estadio da doença, é mandatória a avaliação do líquido cefalorraquidiano (LCR) para despiste de neurossífilis.

Tratamento

A penicilina G é o tratamento indicado para a resolução clínica e a prevenção das sequelas da sífilis.

Tendo em conta o estadio da doença, os esquemas recomendados são:

Sífilis primária, secundária, terciária e latente precoce

  • Adultos – Penicilina G benzatínica 2,4MU, IM, dose única
  • Crianças – Penicilina G benzatínica 50 000 U/Kg, IM, dose única

Sífilis latente tardia

  • Adultos – Penicilina G benzatínica 2,4MU semanal, IM, 3 doses
  • Crianças – Penicilina G benzatínica 50 000 U/Kg semanal, IM, 3 doses

Neurossífilis

  • Penicilina G cristalina 18-24MU dia, EV, 3-4MU 4/4h ou perfusão contínua, 10-14 dias ou
  • Penicilina G procaína 2,4MU, IM, id + probenecida 500mg, p.o., 4id, 10-14 dias ambos

Se alergia à penicilina recorrer à dessensibilização seguida da terapêutica preconizada ou optar por regimes alternativos, cuja eficácia não está, contudo, tão bem documentada. Na gravidez, a única terapêutica comprovadamente eficaz é a penicilina, pelo que terá que ser efetuada dessensibilização prévia ao tratamento.

Regimes alternativos

Sífilis primária, secundária, terciária ou latente

  • Doxiciclina 100mg, p.o, 2id, 14 dias (28 dias na sífilis latente)
  • Tetraciclina 500mg, p.o., 4id, 14 dias (28 dias na sífilis latente)

Neurossífilis

  • Ceftriaxona 2g, IM ou EV, id, 10-14 dias
Falência terapêutica (vide evolução e prognóstico)

Deverá ser averiguada a possibilidade de reinfeção ou fraca adesão à terapêutica, bem como exclusão de neurossífilis.

  • Esquema anterior com penicilina - repetir esquema de penicilina segundo protocolo de sífilis latente
  • Esquema anterior alternativo à penicilina – se alergia fazer a dessensibilização e tratar de seguida com penicilina; se não, optar por penicilina desta vez
Sífilis congénita

O tratamento varia consoante os seguintes cenários:

Sífilis congénita confirmada ou muito provável - exame físico sugestivo, diagnóstico laboratorial ou mãe com sífilis na gravidez não ou inadequadamente tratada

  • Penicilina G cristalina – 100 000 - 150 000U/kg/d, EV, 10-15 dias ou
  • Penicilina G procaína – 50 000U/Kg, IM, id, durante 10 dias

Sífilis congénita improvável – exame físico normal, exames laboratoriais sem critérios de diagnóstico e mãe com sífilis na gravidez adequadamente tratada >4 semanas antes do parto e sem evidência de reativação ou reinfeção

  • Penicilina G benzatínica – 50 000U/Kg, IM, dose única ou
  • Vigilância laboratorial durante 6 meses
Parceiros

Todos os que tiveram contato sexual com um indivíduo com diagnóstico de sífilis devem ser avaliados clinica e laboratorialmente.

O tratamento varia consoante os seguintes cenários:

Contacto sexual

  • Medicar de forma presuntiva mesmo que testes laboratoriais negativos

Contacto sexual >90 dias com indivíduo com diagnóstico de sífilis primária, secundária ou latente precoce

  • Medicar de forma presuntiva se impossibilidade de acesso a testes laboratoriais ou seguimento posterior
  • Não medicar se testes laboratoriais negativos
  • Medicar de acordo com o estadio se testes laboratoriais positivos

Contacto sexual de longa duração com indivíduo com diagnóstico de sífilis latente

  • Avaliar clínica e laboratorialmente e medicar de acordo com os achados

Evolução

A resposta adequada ao tratamento é definida pela descida de 4 vezes o título (equivalente a 2 diluições) do teste não treponémico. Deverá assumir-se falência terapêutica ou reinfeção na ausência de resposta adequada ou na subida persistente em 2 semanas de 4 vezes ou mais o título. A periodicidade da vigilância após terapêutica depende do estadio da doença:

  • Sífilis precoce – exame físico e serológico aos 6 e 12 meses
  • Sífilis tardia – exame físico e serológico aos 6, 12 e 24 meses
  • Neurossífilis – exame físico e avaliação do LCR a cada 6 meses
  • Infetados pelo VIH (qualquer estadio) – exame físico e serológico aos 3, 6, 9, 12 e 24 meses

Na maioria dos casos tratados verifica-se seroconversão (negativação dos testes não treponémicos) ao longo do tempo. Cerca de 15 a 30% dos doentes mantém títulos positivos, geralmente

Deve também ser feito o despiste de outras infeções sexualmente transmissíveis (IST).  

Recomendações

A prevenção da sífilis passa pelo uso do preservativo em todas as relações sexuais e pelo rastreio em populações de risco nomeadamente infetados pelo VIH e outras IST, bem como está recomendado o rastreio universal de todas as grávidas no 1º, 2º e 3º trimestre da gravidez.

Glossário

FTA-ABS - fluorescente treponemal antibody absorbed
IST - infeções sexualmente transmissíveis
LCR - líquido cefalorraquidiano
RPR - rapid plasma reagin
TPHA - treponema pallidum haemagglutination assay
VDRL - venereal diseases research laboratory
VIH - vírus da imunodeficiência humana

Bibliografia

  1. Department of Health and Human Services; Centers for Disease Control and Prevention. Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines, 2015; 64:72-75.
  2. World Health Organization; WHO guidelines for the Treatment of Treponema pallidum (syphilis), 2016
  3. Hicks, C.B., Clement, M. Syphilis: epidemiology, pathophysiology and clinical manifestations in HIV-uninfected patients. Uptodate. Acedido em Setembro 2017.
  4. Hicks, C.B., Clement, M. Syphilis: screening and diagnostic testing. Uptodate. Acedido em Setembro 2017.
  5. Hicks, C.B., Clement, M. Syphilis: treatment and monitoring. Uptodate. Acedido em Setembro 2017

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