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Introdução

A cintigrafia óssea é um dos exames mais realizados em Medicina Nuclear.

É uma técnica funcional, de elevada sensibilidade, que estuda a distribuição da formação de osso (actividade osteoblástica) no esqueleto, a qual está aumentada em alguns processos fisiológicos (por exemplo, no osso adjacente às cartilagens de crescimento), em patologia benigna e também em patologia maligna.(1)

Adicionalmente, permite também avaliar a vascularização de partes moles e, assim, complementar a avaliação do sistema osteo-articular.

Radiofármaco

A cintigrafia é realizada num equipamento designado por câmara gama, sendo necessária a administração de um produto radioactivo por via e.v., designado por radiofármaco ou radiotraçador. O radiofármaco usado na cintigrafia óssea é uma molécula com afinidade para o sistema osteo-articular, consistindo num análogo de um fosfato marcado com um isótopo radioactivo, o Tecnécio-99m (Tc-99m). Como apresenta uma elevada afinidade para o osso, uma vez em circulação, passa rapidamente para o interstício e é posteriormente incorporado na matriz óssea, através de um processo que se pensa estar na dependência da atividade osteoblástica. A excreção do radiofármaco não retido no osso é realizada maioritariamente por via urinária.(1)

O radiofármaco é uma substância radioactiva, pelo que um dos principais receios deste método é a exposição a radiação ionizante. Existem recomendações internacionais específicas da radioactividade do radiofármaco a administrar, que salvaguardam a sua segurança no uso em pediatria.(1,2)

Porque é realizado

Na claudicação da marcha a cintigrafia óssea está indicado quando após a história clínica, exame objectivo e exames complementares de primeira linha (análises de patologia clínica, radiografia simples e ecografia) não é possível o diagnóstico definitivo.(3) Como em todos os exames em que há exposição a radiação ionizante, a sua realização só deve ser considerada quando houver benefício que justifique essa exposição(1,2).

A elevada sensibilidade da cintigrafia óssea permite detectar alterações funcionais subtis e precoces que podem ainda não ter tradução anatómica nos estudos radiológicos. O facto de ser um estudo que avalia todo o esqueleto, torna esta técnica muito útil na avaliação da criança com claudicação da marcha visto que a causa pode estar localizada em diferentes estruturas ósseas e em algumas patologias pode ter localização múltipla (por ex. criança maltratada, patologia infecciosa e tumores ósseos).

Ainda que haja padrões de distribuição de formação de osso característicos de certas patologias, uma das limitações desta técnica é a sua menor especificidade, já que diferentes patologias podem apresentar o mesmo padrão na cintigrafia óssea. Na tentativa de aumentar a especificidade da técnica podem ser realizados diferentes protocolos de aquisição dos estudos, nomeadamente a realização de aquisições com fase vascular (ou em 3 fases) ou a associação com a tomografia computorizada (TC). [ver Como é realizado]

Como é realizado

Após a administração do radiofármaco por via endovenosa são adquiridas imagens na câmara gama.

A câmara gama consiste num aparelho capaz de detectar a radiação emitida pela criança e de a localizar no seu organismo, dando origem a uma imagem que traduz a distribuição, em tempo real, do radiofármaco no organismo.

O tempo necessário para a obtenção de imagens é variável, mas em média demora cerca de 30 minutos. No caso de crianças pequenas pode ser necessário recorrer à sua imobilização através do uso de colchões próprios ou outros métodos. Os pais podem estar sempre junto da criança. Deverão ser retirados os objectos metálicos, pois são causas de artefactos nas imagens.(1,4)

Conforme a informação que se pretende, podem ser realizados diferentes protocolos de imagens.

A cintigrafia óssea em 3 fases ou com fase vascular, compreende 3 séries de imagens de uma região específica do corpo, habitualmente bacia e membros inferiores, em casos de claudicação da marcha. Estas três fases são, respectivamente: um estudo dinâmico iniciado em simultâneo com a administração do radiofármaco, que permite a avaliação da vascularização; imagens estáticas aos 5-10 minutos, para avaliar a distribuição intersticial do radiofármaco; e finalmente, imagens recolhidas 2 a 4 horas depois para avaliar a captação óssea do radiofármaco.(1,4) Este é o protocolo mais frequentemente utilizado na avaliação da claudicação da marcha, pois permite aumentar a especificidade do estudo e obter alguma informação adicional das partes moles envolventes, habitualmente envolvidas em casos de processos inflamatórios / infecciosos.

Fig. 1 - cintigrafia óssea em 3 fases [A-vascularização; B-distribuição intersticial; C-distribuição óssea] evidenciando discretas alterações inflamatórias na região inferior da articulação sacro-ilíaca direita, em criança com sintomatologia dolorosa no membro inferior direito

Este mesmo protocolo pode e deve ser complementado por imagens de varrimento de corpo inteiro, em projecção anterior e posterior, 2 a 4 horas após a administração do radiofármaco, pois mesmo em casos de claudicação da marcha, podem estar em causa patologias com mais do que um foco patológico, como por exemplo, maus tratos, osteomielite ou neoplasias.

Quando não se suspeita de patologias inflamatórias ou infeciosas, mas sim de outras etiologias, como as neoplasias, podem efetuar-se apenas as imagens tardias, para avaliação da distribuição óssea do radiofármaco.

Fig. 2 - Cintigrafia óssea de corpo inteiro
[Imagem amavelmente cedida pelo Serviço de Medicina Nuclear do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra]

[Imagem amavelmente cedida pelo Serviço de Medicina Nuclear do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra]

Estas imagens de distribuição óssea tardia podem ser complementadas por imagens tomográficas [Single photon emission tomography (SPET ou SPECT)], as quais, sendo tridimensionais, apresentam a vantagem de desprojectar estruturas ósseas sobrepostas, permitindo a sua avaliação mais pormenorizada. Têm a desvantagem de serem mais demoradas, frequentemente com necessidade de imobilização adicional.(1,4).

Estas imagens tomográficas podem ainda ser associadas a uma imagem de TC de baixa dose, consistindo em estudos SPET/CT. Estes estudos são realizados em equipamentos híbridos, com as duas modalidades incorporadas e têm a vantagem de integrar a imagem funcional da cintigrafia com a imagem anatómica do TC. Esta localização anatómica mais precisa das alterações visualizadas (1,5) permite aumentar a especificidade do exame.

Contraindicações

Não são conhecidas contraindicações absolutas para este exame, nomeadamente no que diz respeito à população pediátrica. Não deve, contudo, ser realizado em pessoas grávidas ou alérgicas ao excipiente do radiofármaco, sendo que este tipo de alergia é extremamente raro. No caso de pessoas em aleitamento o mesmo deve ser suspenso durante 12 horas (durante esse período deve ser retirado o leite e desperdiçado).(2)

Limitações

Existem alguns medicamentos que podem interferir com a qualidade da imagem, sendo eles os quelatos, os difosfonatos, a tetraciclina e o ferro e fármacos contendo alumínio (em particular os anti-ácidos) (2).

Para além disso, há que salientar que a cintigrafia óssea não permite diferenciar entre infecção e inflamação, sendo aconselhável, para tal, complementar a cintigrafia óssea com estudos com outros radiofármacos, como a cintigrafia com leucócitos marcados. Esta é, contudo, raramente utilizada em crianças.

Cuidados a ter

Este exame não requer preparação prévia.

Com vista a melhorar a excreção do radiofármaco, após a sua administração a criança deve ingerir líquidos abundantemente e urinar frequentemente nas primeiras horas. No caso de crianças pequenas devem-lhe ser oferecidos líquidos mais vezes e trocada a fralda mais frequentemente, pois o produto é excretado por via urinária.(1,2)

No caso da cuidadora da criança estar grávida é aconselhável evitar contactos próximos com ela nas 24 horas após o exame de forma a reduzir a exposição à radiação do embrião / feto.

A cintigrafia óssea é um exame seguro, sendo as reacções adversas muito raras (

Dosimetria

A dose efectiva da Cintigrafia Óssea depende da actividade de radiofármaco administrada, que é calculada de acordo com o peso da criança, segundo normas europeias(1), variando a dose efectiva entre 0,050 mSv/MBq em crianças com 1 ano de idade (10 kg) e 0,010 mSv/MBq em adolescentes com 15 anos de idade (52-54 kg).

A esta, pode ainda acrescer uma pequena percentagem se for efectuado um estudo SPET/CT, sendo que a componente CT é habitualmente utilizada em protocolos de baixa dose(5), para correcção de atenuação e referenciação anatómica e raramente com qualidade diagnóstica, diminuindo assim a dose total da mesma em cerca de 2 a 3 vezes.

Glossário

Medicina Nuclear – especialidade médica que usa substâncias radioactivas em doentes, para efectuar exames de diagnóstico e tratamentos específicos
Claudicação da marcha – termo que especifica uma dificuldade da locomoção em posição erecta (em inglês, “limping”)
Cintigrafia óssea – exame de Medicina Nuclear que permite avaliar actividade osteoblástica, com possibilidade de detectar alterações da mesma
Radiofármaco – molécula marcada com isótopo radioactivo, utilizada em Medicina Nuclear
Câmara gama – aparelho utilizado em Medicina Nuclear que permite detectar radiação gama emitida pelo radiofármaco administrado ao doente e transformá-la em imagem
SPET – acrónimo para “Single Photon Emission Tomography”, que significa tomografia por emissão de fotão único, permitindo um estudo tridimensional das estruturas avaliadas nos exames de Medicina Nuclear
SPET/CT – acrónimo para “Single Photon Emission Tomography”, que significa tomografia por emissão de fotão único, permitindo um estudo tridimensional das estruturas avaliadas nos exames de Medicina Nuclear, associado a um componente “Computed Tomography”, que acrescenta correcção de atenuação e referenciação anatómica.

Bibliografia

  1. Van den Wyngaert T, Strobel K, Kampen WU, Kuwert T, van der Bruggen W, Mohan HK, Gnanasegaran G, Delgado-Bolton R, Weber WA, Beheshti M, Langsteger W, Giammarile F, Mottaghy FM, Paycha F; EANM Bone & Joint Committee and the Oncology Committee. The EANM practice guidelines for bone scintigraphy. Eur J Nucl Med Mol Imaging. 2016 Aug;43(9):1723-38.
  2. Mallinckrodt Radiopharmaceuticals. Ficha Técnica o Resumen de las características del Producto - HDP Technescan. Spain, 2015;
  3. Naranje S, Kelly D M, Sawyer J R. A Systematic Approach to the Evaluation of a Limping Child Am Fam Physician. 2015 Nov 15;92(10):908-16. Available from: http://www.aafp.org/afp
  4. Drubach LA. Nuclear Medicine Techniques in Pediatric Bone Imaging. Semin Nucl Med. 2017 May;47(3):190-203.
  5. Palma D, Nadel HR, Bar-Sever Z. Skeletal scintigraphy with SPECT/CT in benign pediatric bone conditions. Clin Transl Imaging (2016) 4:191–201

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