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Introdução

Definição

A artrite idiopática juvenil (AIJ) oligoarticular é uma artrite crónica, com duração superior a 6 semanas, que atinge, na altura do diagnóstico, menos de 5 articulações.

Pode ser dividida em 2 subtipos consoante o número de articulaçoes afetadas após os primeiros 6 meses de doença: oligoartrite persistente, quando há envolvimento de menos de 5 articulações, e oligoartrite estendida, quando há envolvimento de 5 ou mais articulações.

Epidemiologia

A AIJ é a doença reumática crónica mais frequente em idade pediátrica. 

A forma oligoarticular corresponde a cerca de 50% dos casos de AIJ, é mais frequente na rapariga (F:M 3:1) e tem um pico de incidência entre os 2 e os 4 anos de idade. 

Etiologia

A etiologia e patogénese da AIJ não são completamente conhecidas. A susceptibilidade genética parece desempenhar um papel importante, existindo uma sobreposição importante entre os loci associados à AIJ e aqueles associados a outras doenças auto-imunes. 

A imunidade humoral e celular estão envolvidas na patogénese da AIJ. Os linfócitos T têm um papel central, libertando citocinas pró-inflamatórias, incluindo IL-1, IL-6 e TNF- α, e favorecendo uma resposta Th1 com subsequente lesão sinovial.

História Clínica

Anamnese

As articulações envolvidas estão quentes e edemaciadas, mas geralmente não são dolorosas e raramente existe eritema da pele envolvente. Em 30 a 50% dos casos a artrite é monoarticular, sendo o joelho a articulação mais frequentemente envolvida.

Por afetar mais frequentemente os membros inferiores, a claudicação da marcha é geralmente a primeira manifestação. Estas crianças têm um bom estado geral e, excetuando a uveíte crónica, as manifestações extra-articulares são relativamente incomuns. 

Estima-se que 20% das crianças com AIJ oligoarticular desenvolva uveíte, podendo esta estar presente no momento do diagnóstico. A uveíte tende a ser crónica, anterior e não granulomatosa. É frequentemente assintomática, pelo que é fundamental o rastreio periódico. O sexo feminino e a presença de anticorpos antinucleares são factores de risco para uveíte.

Podem também ocorrer alterações do crescimento, cada vez menos frequentes dada a eficácia do tratamento atual. As alterações do crescimento localizadas são mais comuns, sobretudo quando existe afeção do joelho com maior comprimento do membro inferior no lado afetado.

Exame objectivo

O exame objetivo completo é fundamental para o diagnóstico permitindo detetar alterações sugestivas de diagnósticos alternativos. 

Deve ser dado particular ênfase ao exame detalhado do sistema musculo-esquelético através de uma abordagem sistematizada, habitualmente com recurso ao exame pGALS (Pediatric Gait, Arms, Legs and Spine), tentando detetar quais as articulações envolvidas.

Artrite caracteriza-se por edema intra-articular ou limitação da mobilidade articular associada a dor, calor ou eritema local. Algumas articulações, raramente afetadas na AIJ oligoarticular como a anca, a articulação temporo-mandibular e pequenas articulações da coluna, quando afetadas demonstram apenas combinação de dor e limitação da mobilidade articular, sem edema observável.

Os membros afetados estão frequentemente em flexão/semi-flexão, estando a limitação da mobilidade muitas vezes restrita aos extremos do movimento.

É importante, ainda, proceder à medição do comprimento dos membros inferiores para detetar possíveis dismetrias.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial faz-se principalmente com patologia infeciosa e neoplásica. Nos casos de artrite sética, existe normalmente apenas uma articulação edemaciada/dolorosa, apresentando a criança um ar doente. Nos casos de patologia neoplásica, a criança tem habitualmente sintomas constitucionais e dor articular grave, sobretudo noturna. Outras causas de artrite como trauma, artrite reativa ou Lúpus Eritematoso Sistémico devem ser excluídas antes de ser feito diagnóstico de AIJ.

Exames Complementares

Patologia Clínica

A velocidade de sedimentação eritrocitária e a proteína C reativa são normais ou têm elevação ligeira a moderada. O hemograma é frequentemente normal, devendo a presença de alterações importantes sugerir outro diangóstico.

O fator reumatoide (FR) é quase sempre negativo. Em contraste, os anticorpos antinucleares (ANA) são positivos em títulos baixos a moderados (1:160 a 1:640) em aproximadamente 65% das crianças com oligoartrite, particularmente no sexo feminino e nas crianças com uveíte. Anticorpos anti-DNA de dupla cadeia raramente são detetados e se positivos devem levantar a hipótese de se tratar de Lúpus Eritematoso Sistémico. 

A análise do líquido sinovial quando efetuada mostra um líquido moderadamente inflamatório com uma contagem de células entre 5 e 20.000células/mm3, com predomínio de polimorfonucleares. 

Imagiologia

As alterações radiográficas da AIJ oligoarticular são semelhantes às das outras formas de artrite, apesar de serem menos frequentes e graves. O estreitamento da interlinha articular está presente em 5% dos doentes no início da doença, aumentando para 15% aos 6,2 anos após o início da doença. Erosões podem estar presentes em 10% dos casos no início da doença e em aproximadamente 25% 6 anos depois. Sobrecrescimento ósseo, em particular no joelho, é uma das alterações radiográficas mais comum, ocorrendo em 20% das crianças no início da doença nas articulações afetadas. Pode também ser observado um avanço da maturação óssea no punho.

A ecografia é útil para detetar fluido intra-articular e espessamento e inflamação da sinovial.

A ressonância magnética (RM) confirma os achados da ecografia e, ocasionalmente, deteta edema de medula óssea. É particularmente útil no diagnóstico diferencial com outras causas de artrite, em particular nos casos de monoartrite.

 

Tratamento

O tratamento da AIJ oligoarticular deve ser multidisciplinar, com recurso à fisioterapia, terapia ocupacional, terapêutica farmacológica e intervenções psico-sociais. O controlo da dor e da inflamação e o controlo das manifestações extra-articulares são o centro da terapêutica. O objetivo primordial é alcançar a remissão completa dos sinais e sintomas de inflamação articular, evitando o dano articular e a incapacidade permanente.

Anti-inflamatório não esteróides
Na ausência de fatores de pior prognóstico (artrite da anca, coluna cervical, punho ou tornozelo; elevação marcada ou prolongada da VS e PCR; evidência radiográfica de dano articular), ausência de contracturas e na presença de doença ligeira, a terapêutica inicial consiste em anti-inflamatórios não esteróides por um período de 8 semanas. O ibuprofeno (30mg/Kg/dia) ou o naproxeno (15 a 20mg/kg/dia)  são os fármaco de eleição. Simultaneamente à terapêutica farmacológica, a fisioterapia deve incluir alongamentos ativos e passivos para manter a amplitude articular.

Corticoesteróides intra-articulares
Se após 8 semanas de AINEs a inflamação persiste, ou se antes das 8 semanas existe um agravamento, os corticóides intra-articulares são recomendados. Preferencialmente, utiliza-se o hexacetonido de triancinolona em doses variadas conforme o tamanho da articulação a injetar (grandes articulações, como joelho e ombro: 1mg/kg; articulações médias, como punho e tornozelo: 0,5mg/kg; pequenas articulações dos dedos; 0,2-2mg/articulação). Nas crianças com atividade de doença moderada a grave ou com fatores de pior prognóstico (ver acima), as injeções intra-articulares estão recomendadas como primeira linha.
Em caso de recaída numa articulação injetada duas vezes em menos de 6 meses deve ser ponderada a alteração terapêutica.

Metotrexato
A criança com AIJ oligoarticular estendida tem pior prognóstico e por isso deve ser medicada com metotrexato mais precocemente. Também em doentes com persistência ou recidiva após injeção articular com corticoesteróides, deve ser ponderado o início de metotrexato. Este pode ser administrado oralmente ou subcutâneo na mesma dose (10-15mg/m2, 1 vez/semana).

Biológicos
Se a inflamação persiste após um período de metotrexato por 6 meses ou se a atividade da doença é, por 3 meses, moderada a grave e estão presentes fatores de pior prognóstico, deve ser prescrito um inibidor do TNF. O etanercept, na dose 0,8mg/kg, 1x/semana, subcutâneo, é frequentemente utilizado nos casos de AIJ oligoarticular sem uveíte. Nos doentes com uveíte, recomenda-se o adalimumab 24mg/m2 a cada 2 semanas por via subcutânea. 

Outras terapêuticas
A abordagem cirúrgica da oligoartrite é raramente necessária. Ocasionalmente pode ser necessária em crianças cujo diagnóstico e tratamento foram tardios, originando contracturas em flexão que quando de longa duração não respondem a corticoesteróides intra-articulares nem à fisioterapia.

Evolução

A evolução é variável. Nas crianças com oligoartrite persistente, a doença frequentemente entra em remissão, apesar de poder ocorrer uma recidiva alguns anos depois. Nas crianças com oligoartrite estendida, o prognóstico é pior e apenas um pequeno número entra em remissão, passando a apresentar poliartrite e comportamento semelhante à AIJ poliarticular fator reumatoide negativo. 

Atualmente, com a evolução em termos do tratamento, a frequência de contracturas ou dismetrias dos membros inferiores significativas é pequena, sendo a impotência funcional grave rara. Contudo, nos casos de diagnóstico e tratamento tardios, estas sequelas podem ser mais notórias.

As principais complicações associam-se ao envolvimento ocular que continua a ser um problema importante na AIJ oligoarticular. É, por isso, imperativa a avaliação oftalmológica periódica de todas as crianças com esta doença, em particular daquelas com anticorpos anti-nucleares positivos. Se não tratada, a uveíte pode originar complicações graves como cataratas, queratopatia em banda, sinéquias, glaucoma e défice visual.

Bibliografia

  1. Petty RE, Lindsley CB. Oligoarticular Juvenile Idiopathic Arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderburn LR. Textbook of Pediatric Rheumatology. 7th ed. Philadelphia, PA: Elsevier Inc; 2016
  2. Espinosa M, Gottlieb BS. Juvenile Idiopathic Arthritis. Pediatrics in Review 2012;33;303 DOI: 10.1542/pir.33-7-303 

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