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Introdução

Definição

A catarata trata-se de uma opacificação do cristalino. Pode aparecer em qualquer idade e quando surge no primeiro ano de vida classifica-se como congénita. O grau de opacificação é variável, podendo envolver todas as camadas do cristalino (catarata total) ou apenas uma parte do mesmo, dividindo-se em anteriores, centrais ou posteriores.

Epidemiologia

Trata-se de uma importante causa de diminuição da acuidade visual com uma prevalência estimada de 3 a 6 crianças em 10,000 nascimentos. A catarata congénita poderá ser bilateral, correspondendo a 2/3 das crianças com esta patologia ou unilateral.

História Clínica

Anamnese

O diagnóstico é clínico e baseado no exame objectivo dado que a criança não reporta alteração da visão. Perante suspeita de catarata, deve ser investigada a existência de infecções intra-uterinas do grupo TORCH, ingestão de fármacos e traumatismo. A história familiar é essencial, com vista a identificar um eventual padrão de hereditariedade. Características físicas ou anomalias do desenvolvimento sugestivas de uma etiologia tais como infeções do grupo TORCH, doenças metabólicas, anomalias cromossómicas ou outras síndromes genéticas; deverão ser pesquisadas.

Exame objectivo

A catarata congénita é detectada através de uma alteração no teste do reflexo vermelho que é realizado através da iluminação transpupilar de ambos os olhos a pelo menos 50 cm e numa sala escura, tipicamente com recurso a um oftalmoscópio directo (Figura 1). Uma outra forma de visualizar o reflexo vermelho é através da realização de uma fotografia com flash numa sala escurecida dirigida aos dois olhos da criança.

Figura 1: Teste do reflexo vermelho

Em crianças sem doenças oculares, observa-se a nível pupilar um reflexo de cor vermelha em ambos os olhos, de igual brilho (Figura 2). Na presença de catarata este reflexo está alterado, podendo existir um reflexo vermelho com algumas sombras negras, perda do reflexo ou a presença de um reflexo branco (leucocória), ver Figura 3. As alterações do reflexo vermelho não são exclusivamente provocadas por catarata, mas são sempre um sinal suspeito de doença ocular na criança e por isso devem motivar a referenciação urgente a um oftalmologista.

Figura 2: Reflexo vermelho normal
Figura 3: Leucocória em criança com catarata total

Outras alterações oculares que poderão estar presentes são estrabismo e o nistagmo, que quando existentes sugerem a presença de diminuição acentuada da visão. No que respeita à acuidade visual, esta tipicamente é difícil de avaliar na criança, mas a incapacidade de fixar e/ou seguir objectos com o olhar ou uma reação desproporcional à oclusão de um dos olhos são sinais que denotam diminuição da visão. Testes oftalmológicos específicos como os testes do olhar preferencial são usados para quantificar aproximadamente a visão. Poderá ser realizada a avaliação por potenciais evocados visuais em casos selecionados.

O grau de opacificação e a morfologia da catarata são determinadas ao exame oftalmológico (figuras 4, 5, 6, 7 e 8). Quando a catarata não é total, é relevante determinar se opacificação é central ou periférica; a área (menor ou maior que 3 mm) e a sua localização (mais anterior ou posterior); dado que todas estas características irão influir na decisão cirúrgica.

Figura 4, 5, 6, 7 e 8: Exemplos de cataratas congénitas, evidenciando graus variáveis de opacificação, envolvendo diferentes zonas do cristalino

Diagnóstico Diferencial

Cerca de 60% das cataratas congénitas são idiopáticas. O tipo de causa encontrada relaciona-se com a existência de bilateralidade ou unilateralidade da catarata, sendo que as causas possíveis de catarata congénita estão sumarizadas na tabela 1.

Tabela 1: Causas de catarata congénita
Idiopáticas  
Alterações genéticas Autossómica dominante Autossómica recessiva
Ligada ao X
Esporádicas
Doenças metabólicas  galactosémia
Síndrome de Lowe
Doença de Fabry
Manosidose
Hipoparatiroidismo
Pseudohipoparatiroidismo
Hipoglicémia
Hiperglicémia
Síndromes genéticas  Síndrome de Down
Síndrome de Edwards
Síndrome Cri-du-chat
Síndrome de Conradi–Hünermann, 
Síndrome de Hallerman-Streif-François
Síndrome de Nance-Horan 
Neurofibromatose tipo 2
Infecções intra-uterinas  TORCH (Toxoplasmose, Rubéola, CMV, Vírus Varicela-Zoster)
Sarampo
Alterações oculares Persistência da vasculatura fetal
Microftalmos
Aniridia
Retinite pigmentosa
Retinopatia da prematuridade
Disgenesia do segmento anterior
Coloboma
Lenticone e lentiglobo
Subluxação congénita do cristalino
Outras  Trauma
Radiação
Fármacos

Em doentes com catarata bilateral é possível identificar a causa em 50% dos casos, sendo a mais comum a existência de uma mutação genética, a qual é identificada em 8 a 29% de todas as cataratas congénitas. Outras causas tipicamente associadas a cataratas bilaterais incluem as cromossomopatias, doenças metabólicas e infecções intra-uterinas do grupo TORCH.

Nas cataratas unilaterais a causa é identificável em apenas 10% dos casos. Em contraste com as cataratas bilaterais, associam-se a alterações genéticas de novo, sem história familiar. Habitualmente não existe associação com doenças sistémicas e as crianças afectadas são tipicamente de termo e saudáveis. A associação com outras anomalias oculares é mais frequente, sendo a mais habitual a persistência da vasculatura fetal.

A catarata congénita faz diagnóstico diferencial com outras causas de catarata nomeadamente traumatismo, fármacos ou radiação. Patologias que provocam alteração do reflexo vermelho com leucocória também fazem parte do diagnóstico diferencial, sendo exemplos a doença de Coats, persistência da vasculatura fetal, retinopatia da prematuridade, toxocaríase e tumores oculares como o retinoblastoma ou o astrocitoma retiniano.

Exames Complementares

Patologia Clínica

A investigação analítica deverá ser realizada sobretudo nas cataratas bilaterais em que a associação com doenças sistémicas é frequente. Poderá incluir a realização de:

  • Serologias para rastreio de infecções intra-uterinas grupo TORCH
  • Cálcio sérico e fósforo,
  • Glicémia em jejum,
  • Níveis de galactoquinase
  • Avaliação urinária de presença de substâncias redutoras após ingestão de leite (suspeita de galactosémia)
  • Cromatografia para aminoácidos (suspeita de síndrome de Lowe).

Tratamento

Cirurgia

O tratamento da catarata congénita está dependente da localização e tamanho da opacidade, pelo que nem todas as cataratas vão necessitar de intervenção cirúrgica.

Cataratas que condicionam opacidades pequenas (inferiores a 3 mm) ou periféricas, que permitam uma boa visualização do fundo ocular são compatíveis com o desenvolvimento normal do sistema visual e, como tal, poderão ser vigiadas em consulta, monitorizando o seu crescimento.

Por outro lado, se a catarata é total, se existe estrabismo ou nistagmo associados, se a zona de opacidade é superior a 3 mm, envolvendo a porção central/posterior do cristalino e condiciona a boa visualização do fundo ocular, existe risco de ausência de desenvolvimento adequado do sistema visual da criança por ausência de estimulação visual do olho afectado, a qual leva à diminuição da visão irreversível, se não for tratada, isto é, ao desenvolvimento de ambliopia.

A ambliopia provocada por privação de estímulo do sistema visual consequente à existência de catarata desenvolve-se rapidamente, pelo que nas cataratas com as características expostas previamente, o tratamento deverá ser a intervenção cirúrgica precoce, às 4-6 semanas de vida em crianças com catarata unilateral e às 6-8 semanas de vida em crianças com catarata bilateral. A ambliopia é uma consequência grave, que deve ser evitada a todo o custo, pois uma vez instalada, a sua recuperação é virtualmente impossível, mesmo se utilizados óculos ou se realizada uma cirurgia numa fase mais tardia da vida. A detecção precoce de catarata congénita através da avaliação do reflexo vermelho em todos os recém-nascidos é desta forma essencial, para que a intervenção cirúrgica, caso necessária, seja realizada atempadamente.

A cirurgia de catarata congénita, devido à menor rigidez escleral e à existência de uma alta taxa de opacificação do saco capsular, obriga à realização de manobras cirúrgicas específicas de modo a reduzir estes riscos, tornando-a tecnicamente mais difícil do que no adulto. A colocação de lente intraocular poderá ser realizada aquando da primeira cirurgia, ou apenas numa segunda intervenção, de acordo com um conjunto de factores como a idade do doente e se se trata de uma catarata unilateral ou bilateral. No período pós-operatório existe uma maior resposta inflamatória do que em pacientes adultos e a complicação mais frequente é a re-opacificação do eixo visual.  Existe adicionalmente risco aumentado de glaucoma, o qual deverá ser monitorizado ao longo da vida da criança.

É de notar que a cirurgia é apenas o primeiro passo no tratamento destas crianças, sendo igualmente importante a realização de uma adequada reabilitação visual com correção precoce do erro refractivo associado com óculos ou lentes de contacto; tratamento do estrabismo, se presente; e a utilização de estratégias como a oclusão ocular e a penalização farmacológica do olho com melhor visão, com vista a estimular o olho oposto e assim combater a ambliopia. A reabilitação visual é um processo moroso que requer a colaboração estreita entre a equipa médica e os pais para que os melhores resultados sejam obtidos.

Evolução

A acuidade visual média atingida dependerá sobretudo de dois factores: da cirurgia precoce, de acordo com timing previamente exposto, e da adesão às estratégias de reabilitação visual, isto é, no que respeita ao uso da correcção óptica e à terapêutica com oclusão ocular.

O prognóstico visual é pior para as cataratas unilaterais, dado que a probabilidade de se desenvolver ambliopia nestes olhos é maior. Num estudo recente realizado numa população europeia de 153 crianças operadas, a acuidade visual média após cirurgia nas cataratas congénitas unilaterais foi de 1/10 (intervalo: sem percepção luminosa e 10/10) e nas cataratas bilaterais foi de 3/10 (intervalo: sem percepção luminosa e 10/10). Estes resultados visuais denotam a dificuldade em tratar a ambliopia nestas crianças, em que a presença de catarata surge num período sensível do desenvolvimento visual.

Recomendações

A detecção precoce de catarata congénita no exame objectivo do recém-nascido por avaliação do reflexo vermelho é a melhor forma de promover o tratamento atempado destas cataratas e proporcionar os melhores resultados visuais. O timing limitado existente para a intervenção cirúrgica em cataratas visualmente significativas torna esta avaliação essencial.

Glossário

Catarata congénita: opacificação do cristalino que surge no primeiro ano de vida.

Ambliopia: diminuição da acuidade visual de um ou ambos olhos.

Bibliografia

  1. EDSINGE A, NISCHAL KK. Pediatric cataract: challenges and future directions. Clin Ophthalmol. 2015 Jan 7;9:77-90
  2. BARADARAN-RAFII A, SHIRZADEH E, ESLANI M, AKBARI M. Optical correction of aphakia in children. J Ophthalmic Vis Res. 2014;9(1):71–82.
  3. CHEN YC, HU AC, ROSENBAUM A, SPOONER S, WEISSMAN BA. Long-term results of early contact lens use in pediatric unilateral aphakia. Eye Contact Lens. 2010;36(1):19–25.

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